Cynar Spritz

Cynar Spritz
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A primavera de 2025 chegou à Europa menos com o entusiasmo de Vivaldi do que com o desassossego de Stravinski. Além do sol e das abelinhas, o equinócio trouxe agravações na guerra ao leste e o florescer de uma nova guerra a oeste — esta, ainda de cunho comercial.

A grande sequóia à qual os líderes europeus viviam abraçados está morta: restam apenas a tora e a sombra. Dia após dia, o continente que vivia na pós-história vem sendo relembrado de que a história ainda não acabou — e de que, se não se mexer para sair do marasmo, ela continuará sem ele. Mas essa conclusão ainda raspa na garganta de um povo alérgico a hard power e que acredita em combater ditadores nucleares com notas de repúdio.

Tempos difíceis em especial para Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália. Fiel vassala de Trump, ela foi pega de calças curtas pelos ventos primaveris. Muito carismática, porém dotada de uma inteligência sazonal, Meloni ainda não escolheu entre a dissonância cognitiva e o rompimento atlântico. Quem sabe até o verão ela não lança o MIGA: Make Italy Great Again.

Mas em meio a tantas presepadas e agouros, os italianos pelo menos têm algo a celebrar: está oficialmente aberta a temporada do aperitivo.

Um dos pilares da dolce vita — ou vida mansa, em tradução livre —, o aperitivo é um encontro de fim de tarde, um momento de descompressão, um interlúdio entre o trabalho e o lazer. Além do papo, o aperitivo acompanha petiscos e drinques refrescantes, que abrem o apetite para o jantar. Chega a ser uma ocasião diária para quem sai cedo do serviço e não teme a cirrose.

Embora geralmente associado à Itália, esse pequeno prazer também é parte de outras culturas, como o apèro francês e as tapas espanholas, com variantes regionais de comes e bebes. Os drinques servidos num aperitivo tendem a ser à base de vinho ou espumante — uma escolha leve e festiva. Sem dúvida, o mais famoso entre eles é o Aperol Spritz — que há alguns anos trocou as biroscas do Vêneto por cruzeiros e festas de casamento ao redor do mundo. Mas a família Spritz vai muito além de seu mascote laranja neon.

O Spritz entrou na vida dos italianos por influência austríaca, na época em que o reino dos Habsburgos abarcava todo o norte da Itália — incluindo Milão, considerada o berço do aperitivo. Se você tiver interesse nesse capítulo da História, recomendo a série A Imperatriz (Netflix, 2022). A produção retrata a chegada meteórica de Elisabeth (Sissi) à pomposa, porém decadente côrte vienense, em meio a conflitos com outros poderes europeus e aos esforços de unificação da futura Itália.

Hoje uma nação pequena — e cuja constituição baniu qualquer descendente dos Habsburgos de adentrar o país —, a Áustria ainda conserva certos hábitos dos tempos imperiais. Um deles é o de se encontrar no fim da tarde para tomar um Spritzer, isto é, uma taça de vinho acrescida de água com gás. É uma bebida refrescante, embora um tanto insossa, que seus antigos súditos italianos trataram de incrementar com a adição de um ingrediente mágico: o amaro.

Um licor amargo consumido tradicionalmente como digestivo, o amaro não tem uma receita unificada: existem inúmeros tipos e marcas, fabricados a partir dos mais diversos ingredientes. No Aperol, os ingredientes principais são a laranja-azeda, a genciana, o ruibarbo e a quinquina. Sua gradação alcóolica é de 11%. Já no Campari — talvez o mais famoso de todos os amaros — a infusão conta com mais de sessenta ervas e frutas diferentes, e resulta numa bebida com 25% de álcool.

Mas hoje estamos aqui para falar de um outro amaro e de seu Spritz equivalente: o Cynar.

A icônica garrafa verde-e-vermelha me faz pensar em Ubyk, o clássico de ficção científica de Philip K. Dick — talvez pelo “y” excêntrico, talvez pela estética um tanto sinistra, que tem um quê de pop art. No rótulo vem estampada uma alcachofra — principal ingrediente do Cynar. A bebida foi inventada em Veneza na década de 50 e se popularizou como digestivo graças à presença de cinarina.

No Brasil, o Cynar ganhou fama como ingrediente do clássico Rabo-de-Galo, onde vem misturado à cachaça e ao vermute. Curiosamente, seu uso como Spritz ainda não decolou nos nossos bares. Quem sabe eu não disparo uma revolução?

No Cynar Spritz, a cor de Fanta do Aperol dá lugar a um marrom cor de alcaçuz com rajadas douradas, que lembra uma Coca-Cola. O drinque é leve, refrescante, ligeiramente amargo e adocicado. As notas vegetais surpreendem com um sabor sutil e exótico. Tanto o paladar quanto o visual dão ao Cynar um caráter mais elegante e noturno. Se o Aperol Spritz é uma gargalhada à beira da piscina, o Cynar Spritz é uma piscadela à meia-luz.

Assim como em outras bebidas da família Spritz, a proporção ideal é de três partes de prosecco para duas de Cynar e uma de água com gás.

Comece adicionando gelo a uma taça de vinho. Depois, adicione o Cynar e misture com uma bailarina: isso ajuda a deixar o drinque mais gelado e redondo. Em seguida, adicione o prosecco. Por fim, a água com gás. Mexa brevemente, apenas para combinar os elementos – se você mexer demais, vai acabar expulsando o gás.

Há quem prefira decorar o Cynar Spritz com uma azeitona e uma rodela de limão — que adicionam um toque de sal e um azedinho muito bem-vindos. No entanto, a escolha clássica é uma rodela de laranja ou uma espiral da casca, que conferem ao drinque um nariz cítrico irresistível.

Aproveite seu drinque para fazer como os italianos e descomprimir, relaxar e celebrar as boas notícias do dia. Eu, por exemplo, faço um brinde ao STF. Cin cin!